9 de out. de 2019

Divagações Oldschool: Sábado na locadora

Para a vampírica geração atual, cujo habitat natural são as madrugadas passadas em redes sociais ou demais aposentos desse imenso labirinto chamado internet, a ideia de acordar cedo no sábado provavelmente é quase uma blasfêmia, mas, para nós, veteranos dos tempos de poucos bits, não era bem assim.
Se de segunda à sexta levantar cedo para ir para à escola era uma tarefa tão árdua com se o peso do mundo estivesse repousasse sobre nossos ombros e nós enrolássemos o máximo possível até finalmente pôr os dois pés no chão, no sábado ocorria um curioso fenômeno: saltávamos feito molas da cama, engolíamos quase sem mastigar o café da manhã e logo já corríamos feito loucos pela rua, dos calcanhares quase baterem no traseiro, muitas vezes apressando aos berros algum irmão mais novo um pouco mais lento. O nosso destino: a locadora.
Tudo bem... exagerei um pouco na intensidade, mas até que não está tão longe assim da realiade.
Afinal, chegar tarde na locadora, quando acontecia nos dias que você tinha que almoçar na casa de algum parente chato que morava longe para diabo, significava perder a chance de alugar os melhores ou mais badalados títulos do momento e ter que ir para casa com "Ghostbusters 2" ou "Phalanx' debaixo do braço só para não ficar sem jogar nada.
Quem é da época sabe bem o porquê. Sábado era o grande dia das locadoras. Elas não abriam domingo, entõ você alugava o jogo e só devolvia na 2o feira. E ainda tinha aquelas que ofereciam a generosa dádiva de , caso fossem alugados dois cartuchos, deixar devolver só na terça! Perfeito para quem tinha irmão! Cada um escolhia um jogo, no lugar de se estapearem no meio da locadora.
Todo mundo tinha sua locadora favorita. Eu era sócio de umas três, mas a minha preferida era a Flórida.
Lembro até hoje de seu letreiro, um cenário de praia tropical pintado por algum amador, com palmeira e um sol amarelo. A Flórida ficava em uma rua tranquila, no terceiro andar de um dos prédios comerciais mais feios que já vi, verde escuro por fora e por dentro e cujo granito das escadas (o prédio sequer tinha elevador) não ficaria branco de novo nem se banhado por um caminhão pipa de ácido muriático´.
A locadora em si tinha dois cômodos. O salão principal onde ficava o balcão das atendentescom o velho computador e a caixa registradora, e as estantes onde se escolhiam os jogos (na época de NES, Master, Mega e SNES), sendo as estantes da Florida diferentes daquelas das outras locadoras. A caixas não ficavam espostas, mas haviam sido dobradas e colocadas dentro de "sanduíches" de acrílico, cada um com uma etiqueta colada com o código do jogo. Você virava os "sanduíches" de acrílico como as páginas de um livro, pegava o código do jogo escolhido e pedia para alguma atendente do balcão. Teve uma vez que no lugar de anotar, tentei gravar o código de cabeça, disse o número errado  e levei o jogo de Mega Drive errado para casa! Mas isso é outra história...
Na outra sala, com as paredes cobertas de pôsteres de jogos, ficavam as televisões com os consoles onde se podia pagar uma graninha para jogar por um tempo... meia hora, uma hora... duas horas... dependendo do valor. Era onde rolavam os torneios, sempre de jogos de luta, futebol ou corrida, mas mesmo em dias comuns sempre tinha alguém jogando alguma coisa. Lembro bem de um coroa já de cabelo grisalho (acho que er pai de alguém da molecada que era sócia da loja) que volta e meia ficava jogando "Side Pocket" ou outro jogo de sinuca em um dos videogame do canto da sala.
Não lembro bem quando a Florida fechou. Meu finalzinho dos anos 90 foi marcado pelo pré-vestibular e no início dos anos 2000 eu estava na faculdade e já não a frequentava mais até que, um dia, quinze ou dezesseis anos atrás, passando por acaso por ali, indo para outro lugar qualquer, não vi o letreiro pendurado logo abaixo das janelas.
Cheguei a pensar em entrar no prédio e subir até lá para conferir se a locadora tinha realmente fechado, mas desisti, Estava com pressa E, de alguma forma, eu sabia que não haveria nada mais ali para mim. Segui meu caminho.
Mas... sempre que passo por ali, acabo olhando involuntariamente para as janelas do terceiro andar, onde antes ficava um letreiro pintado a mão, com sua palmeira e sol a pino em uma praia de areia amarelada.

Um comentário:

  1. Cara, que história boa! Era exatamente assim aqui em Fortaleza, mas a gente geralmente alugava na sexta a noite duas fitas e só devolvia na segunda. Era numa locadora até que perto de casa, a Kingvideo,que alugava também filmes, mas não tinha consoles para jogar por hora. Era numa loja de rua e fechou faz uns 8 a 10 anos, e sempre que passo no local fico olhando (hj é um self service).

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