21 de out. de 2020

Divagações Oldschool: "Deixa seu irmão jogar"

 


"Deixa seu irmão jogar". Na época de poucos bits, onde os save game eram raros e pouco confiáveis (quem já perdeu um save quase no final do jogo em "Shining Force II" e teve que recomeçar do zero levante a mão) essa era uma das frases que mais exasperavam os jogadores que ao mesmo tempo ocupavam o cargo de irmão mais velho em casa. Talvez fosse a frase que mais exasperava, seguida de perto pela afirmação descabida que videogame escangalhava a TV. E que videogame era coisa do capeta.
Os pais daquela época pareciam incapazes de compreender que os jogos eram difícieis e muitos deles, como "Gauntlet" ou "Alex Kidd in Miracle World", consideravelmete longos (e os que não eram longos pareciam ser que devido a dificuldade quase sempre exasperante da época) e que se você encerrasse a partida ali, naquele momento, para seu irmãozinho ou irmãzinha choraminguento(a) poder jogar e perder todas as vidas em menos de cinco minutos, teria que começar tudo de novo, desde o início e sem garantias que chegaria tão longe, já que muitas vezes se alcançava os últimos estágios mais por um golpe de sorte do que qualquer outra coisa.
Parecia uma maldição... muitos amigos e colegas de classe da época relatam situações bem semelhantes: você estava longe em um jogo complicado e lá vinha seu seu irmãozinho(a), de 3 a 5 anos mais novo(a), em média, começar a ladainha... "Deixa eu jogar", "Você já está jogando a um tempão", "Eu ainda não joguei", "É a minha vez"...
Depois de ser ignorado ou enxotado aos berros, o irmão ou irmã mais novo(a) em geral ia atrás de um dos pais (a mãe, na maioria dos casos, mas nem sempre) e contava uma versão distorcida da história, de que o irmão mais velho não deixava ele jogar, que o irmão disse que ia ser a vez dele e não deixou ele jogar, coisas assim.
Aí vinha um de seus genitores na porta da sala (ou do quarto, para os felizardos que conseguiam ter uma TV para uso exclusivo naqueles tempos onde não era raro só se ter a "televisão da casa") e começava a mesma repetição das frases do irmão/irmã mais novo(a), mas agora revestidas com autoridade e/ou finalizadas com ameaças: "Deixa seu irmão jogar um pouquinho", "Daqui a pouco ele perde e você volta a jogar", etc.
Você tentava explicar o quanto isso te atrapalharia, mas era em vão. Era algo semelhante a tentar encaixar o cubo no buraco triangular daqueles brinquedos educativos...  Se você se mostrasse muitas vezes recalcitrante vinha o infame "então vou desligar esse videogame e ninguém mais vai jogar". 
E lá se ia sabe-se lá quanto tempo de jogo ralo abaixo. E tudo para seu irmão ou irmã cair no primeiro buraco da fase por não conseguir apertar o botão no momento certo.
Passei por isso, como quase todos os outros. A vez que mais me irritou, a ponto de até hoje estar gravada na minha memória, foi quando eu estava indo muito bem naquele "Teenage Mutant Ninja Turtles" da Konami para NES (maldito seja quem inventou de colocar aquele labirinto de algas marinhas que dão choque no jogo). Eu estava com três das minhas quatro tartarugas ainda vivas (se não ,me engano tinha perdido apenas o Rafael), havia conseguido passar pelas algas elétricas desgraçadas e estava em um trecho que nunca tinha chegado antes quando meu irmão chegou sei lá de onde só para pedir para jogar. 
Neguei, logicamente e solicitei delicadamente (ou talvez nem tanto assim) que ele não enchesse o saco. Meu irmão foi reclamar com minha mãe, a qual fez o discurso padrão daquela situação. Expliquei e tornei a explicar, ressaltando o quanto era difícil passar pelas algas (de novo, maldito seja o infeliz que pôs aquilo no jogo), mas aí veio o argumento pseudo-conciliativo de "seu irmão não joga tão bem quanto você... ele não vai demorar, aí você volta a jogar". Irritado, respondi que não queria jogar mais nada e apertei o botão RESET. Minha mãe reclamou da minha resposta, enquanto meu irmão se apoderava do controle. Emburrado, saí da sala e fui para meu quarto, ler pela vigésima vez algum dos meus gibis.
Não deu dez minutos, minha mãe abriu a porta, avisando que meu irmão já havia terminado a vez dele e falando para eu voltar a jogar. No melhor do mau humor juvenil, respondi que não queria jogar coisa nenhuma. Minha mãe ainda tentou contemporizar, mas eu estava realmente irritado daquela vez e neguei-me a voltar jogar. A fita era emprestada e não alugada... o espaço de tempo que eu a teria para jogar era maior, então pude me dar ao luxo de cruzar os braços e fazer cara feia no lugar de voltar a segurar o controle. Minha mãe terminou por se aborrecer  e depois de uma bronca, deixou-me sozinho com minha pilha de revistas em quadrinhos. E de fato não joguei mais videogame naquela noite, em protesto pela partida perdida (ou por pirraça, como minha mãe declarou).
Olhando hoje em dia, é claro que (justificadamente) parece um grande exagero, mas quem foi um irmão ou irmã mais velho(a) nos anos 90, e gostava de videogame, vai compreender. 
E se você que está lendo esse texto agora era o/a caçula naquela época, vá e peça desculpas para seu irmão ou irmã.

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